alibi-a-bá

Saturday, October 28, 2006

ainda nas palavras dos outros


"Longo tempo, foi pelo olhar que venceu.
Estrelas dobravam o joelho
quando seus olhos combativos se levantavam.
Ou ele olhava ajoelhado
e o perfume da sua insistência
fatigava um Divino, tanto
que ele, dormindo, lhe sorria.

Torres que ele olhasse assim
amedrontavam-se:
punha-as de pé, rependinamente, num ápice!
Mas quantas vezes, de dia
sobrecarregada, a paisagem
ao entardecer, repousava na sua tranquilidade atenta.

Animais havia que entravam, confiantes,
no olhar aberto, pascente,
e os leões cativos
fixavam-no como uma liberdade indestrutível;
havia pássaros que num voo directo o atravessavam,
o sensível; flores
reflectiam-se nele
grande como em crianças.

E o rumor de que existia um contemplante
emocionava os menos
duvidosamente visíveis,
tocava as mulheres.

Há quanto tempo contemplando?
Há quanto tempo já intimamente frustrado,
suplicante no fundo do olhar?

Quando vivia no estrangeiro, esperando, o quarto
da estalagem, distraído, desviado,
soturno em torno dele, e no espelho evitado
o quarto ainda,
e mais tarde, do leito de suplício,
sempre ele, o quarto;
na atmosfera desenrolava-se então um debate,
de contornos pouco nítidos um debate estava havendo
sobre o seu coração sensível,
o seu conração sensível
ainda mesmo através do seu corpo dolorosamente atormentado,
um debate se desenrolava e concluía:
que ele tinha nula participação no amor.
(Recusando-lhe baptismos mais vastos.)

Porque, eis, há para o olhar um limite.
E o mundo suficientemente olhado
quer no amor cumprir-se.

A obra do olhar está realizada,
empreende agora obra de coração
sobre as imagens em ti, essas cativas; porque se
tens domínio sobre elas, não as conheces ainda.
Olha, homem interior, para a tua donzela íntima,
criatura conquistada
sobre mil naturezas,
somente conquistada,
mas nunca ainda amada."
Rainer Maria Rilke

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